PARALISIA DO NERVO FACIAL

GENERALIDADES

O nervo facial é o nervo da expressão do rosto. A paralisia do nervo facial ocorre quando ele não funciona mais adequadamente. As causas mais frequentes são a paralisia de Bell, ressecção de tumores nas proximidades do nervo facial (ex. neurinoma do nervo acústico), ressecções cirúrgicas de tumores de cabeça e pescoço (ex. câncer de parótida), traumas, e infecções no ouvido.

A paralisia do nervo facial pode ainda ser congênita (ex. síndrome de Moebius). Os efeitos são devastadores. Os pacientes não apenas lutam com mudanças significativas em sua aparência física e na capacidade de expressar emoções e de se comunicar, mas também podem sofrer perda de visão, obstrução nasal e dificuldade para comer e beber. Consequentemente, a maioria dos pacientes experimenta retraimento social e depressão.

O Centro de Microcirurgia disponibiliza diversos tratamentos como aplicação de Botox e preenchimentos até procedimentos cirúrgicos de reconstrução nervosa e transplante muscular. Muitos desses procedimentos são complexos e existem muito poucas equipes capacitadas para realiza-los em todo o país. Nossos profissionais receberam treinamento avançado nessas técnicas em grandes centros nos Estados Unidos, Europa e América Latina.

O nervo facial se origina dentro do crânio e sai dele logo abaixo da orelha, atravessa a glândula parótida e se ramifica extensamente para inervar os músculos da face responsável pela movimentação dos olhos, nariz, boca, o que permite a expressão das emoções.
Paciente apresentando com paralisa do nervo facial direito. Observe a grande assimetria da face.
Os membros de nossa equipe receberam treinamento em cirurgia do nervo facial em grandes centros no Brasil e exterior. Foto do Dr. Alex Franco com o Dr. Patrick Byrne (chefe da cirurgia facial do Hospital Jonhs Hopkins) tirada durante o estágio em cirurgia do nervo facial nesse hospital).

TRATAMENTO

O tratamento da paralisia do nervo facial deve ser individualizado e depende da causa, tempo decorrido desde a lesão e a intensidade da paralisia que varia de uma paralisia leve a total. Para graduar a paralisia existe uma série de classificações. A que utilizamos no nosso serviço é a de House-Brackmann.

Os casos de paralisia leve podem ser tratados com medidas não cirúrgicas. A face pode ser simetrizada através de aplicações de Botox em certos lugares da face acometida para diminuir retrações ou na face contralateral para enfraquecer alguns músculos e balancear a face. Algumas vezes recomendamos o uso de preenchimento que pode ser útil em alguns casos para dar suporte ao lábio inferior e melhorar a contenção de líquidos. As medidas fisioterápicas também podem ajudar muito nesses casos.

Nos casos de paralisia mais extensas ou paralisias totais, geralmente recomendamos o tratamento cirúrgico. A modalidade de tratamento vai depender da causa e do tempo de lesão.

Vamos discutir inicialmente os casos de paralisia mais recentes (até 1 ano e meio após a lesão).

Nesses casos optamos pela reconstrução do nervo facial com sutura, interposição de enxertos ou com transferências nervosas.

Numa lesão traumática por um corte na face, por exemplo, podemos encontrar os cotos proximal e distal do nervo e suturá-los ao microscópio cirúrgico.

Quando os cotos estão muito afastados seja porque parte do nervo foi removido (como ocorre em ressecções por tumores) ou porque já se passou algum tempo da lesão (os cotos vão se afastando progressivamente um do outro), a reconstrução só é possível com a interposição de enxerto de nervo. Nesses casos usamos um nervo sensitivo retirado da perna que não causa maiores sequelas locais – o nervo sural.

A situação se complica quando não temos disponível a parte próximal do nervo facial como ocorre na paralisia de Bell ou na paralisia após ressecções tumorais intra-cranianas. Nesses casos a função é restabelecida através de transferências nervosas. Nesse procedimento fibras de outros nervos na face ou região do pescoço são direcionados para o coto distal do nervo facial acometido com a finalidade de reanimar os músculos paralisados.

Os nervos que utilizamos nas transferências nervosas são o nervo do masseter (nervo que vai para o músculo da mastigação) e parte do nervo hipoglosso (nervo que vai para a língua) e alguns ramos redundantes do nervo facial do outro lado (enxerto cross-facial).

Na nossa experiência os enxertos cross-faciais não restauram força suficiente aos músculos acometidos, porém têm a vantagem de proporcionar movimentos mais naturais e congruentes com a emoção da pessoa. Por isso geralmente usamos essa transferência conjuntamente com o nervo do masseter ou com o nervo hipoglosso.

Nas paralisias ocorridas com a mais de 2 anos já podem ser observadas alterações irreversíveis nos músculos da face que vão gradualmente se transformando em gordura e tecido fibroso. Nesses casos não há mais possibilidade de reconstruir os nervos, já que o tecido muscular da face não está mais funcional.

Nesse caso indicamos a cirurgia de transplante muscular. Nesse procedimento um segmento de um dos músculos da coxa (o músculo grácil) é transplantado para a face e os vasos sanguíneos e nervos do músculo são suturados com técnica microcirúrgica à nervos e vasos sanguíneos da face. O nervo que utilizamos para ligar ao músculo é o nervo do músculo masseter. Algumas vezes combinamos esse nervo com um nervo do outro lado da face (enxerto cross-facial) para dar mais espontaneidade ao sorriso. Se for optado por essa utilização de 2 nervos para o transplante muscular, o procedimento é feito em 2 tempos, sendo as cirurgias separadas por um período de 6 meses a 1 ano.

Além desses procedimentos avançados, a depender das expectativas do paciente, idade e presença de doenças crônicas, procedimentos mais simples podem ser feitos para simetrizar a face e até proporcionar algum grau de reanimação. Uma cirurgia estática que utilizamos é a cirurgia de suspensão da face com um segmento de fáscia retirado do músculo tensor da fáscia lata (músculo da coxa). Esse procedimento proporciona uma simetria facial em repouso. Outro procedimento utilizado é a transferência distal do músculo temporal para a comissura da boca. Esse procedimento tem como objetivo simetrizar a face e possibilitar o paciente de sorrir.

Esquema ilustrando a transferência nervosa que mais utilizamos - a transferência do ramo motor do masseter ao ramo zigomático ou bucal.
A técnica de transferência nervosa que temos melhores resultados é a do nervo do masseter. Geralmente usamos para inervar o nervo zigomático ou bucal (ramos terminais do nervo facial).
A técnica de transferência nervosa que temos melhores resultados é a do nervo do masseter. Geralmente usamos para inervar o nervo zigomático ou bucal (ramos terminais do nervo facial).

A seguir vamos detalhar a nossa abordagem no tratamento das causas mais comuns de paralisia facial no serviço.

PARALISIA DE BELL

Caracteriza-se por fraqueza súbita nos músculos de uma metade do rosto.

A paralisia de Bell pode ser uma reação a uma infecção viral. Raramente ocorre mais de uma vez. A paralisia de Bell é caracterizada por fraqueza muscular que desfigura metade do rosto. A incidência no Brasil é de cerca de 150 mil casos por ano.

A paralisia de Bell geralmente se resolve por conta própria em até seis meses. A fisioterapia pode ajudar a impedir que os músculos se contraiam de forma permanente (sinquinesia).

Nos casos raros em que a paralisia persiste de forma severa por mais de 6 meses, avaliamos o paciente quanto à possibilidade de uma cirurgia de reanimação facial. Nesses pacientes, nossa conduta é realizar uma cirurgia de transferência nervosa dupla. Suturamos o nervo motor do masseter no ramo buco-zigomático para reanimar a porção média da face e suturamos parte do nervo hipoglosso (cerca de 1/3 dele) no ramo mandibular para a reanimação da parte inferior da face. Nos pacientes que não conseguem fechar o olho, recomendamos a colocação de um peso de ouro na pálpebra superior para capacitar o paciente de fechar o olho, o que evita o aparecimento de úlceras de córnea (complicação grave da paralisia de Bell).

Nos casos mais crônicos com uma evolução superior a 1 ano e meio a 2 anos, recomendamos a cirurgia de transplante muscular da coxa para a face em dois tempos. Num primeiro procedimento colocamos o enxerto cross-facial e num segundo tempo (cerca de 1 ano após a primeira cirurgia) transplantamos o músculo para a face. Suturamos o nervo do músculo no nervo do masseter e no enxerto cross-facial.

Outras possibilidades são a suspensão estática com a fáscia lata ou a transferência do músculo temporal.

CASO CLÍNICO 1

Nesse procedimento usamos ramos do nervo facial do lado normal para reconstruir o lado com lesão, empregando o enxerto de nervo retirado da perna para fazer essa ponte entre os dois lados (representado em verde).
Caso clínico mostrando o enxerto de nervo (nervo sural) que é retirado da perna através de pequenas incisões.
Fotografia de paciente submetida a enxerto cross-facial. O enxerto está em cima da pele apenas para a fotografia. No procedimento o enxerto é colocado embaixo da pele com a ajuda de um instrumento que faz o caminho para o nervo de um lado a outro da face.

CASO CLÍNICO 2

Nas paralisias crônicas utilizamos o transplante do músculo grácil como tratamento de escolha. Um pedaço desse músculo é retirado da coxa, preservando-se o nervo e os vasos sanguíneos. A seguir o músculo é transplantado para a face onde o nervo e os vasos são reconectados. Esse músculo ao se tornar funcional, vai melhorar a simetria da face e fazer com que o paciente volte a sorrir.

Esquema de retirada do músculo grácil para transplante no rosto.
Incisão na coxa para a retirada do músculo grácil.
Retalho do músculo já dissecado, mostrando os vasos e nervo.
Retalho está inserido e tensionado e as suturas dos vasos e veias já foram realizadas.

NEURINOMA DO NERVO ACÚSTICO

Nesse desenho vemos a proximidade do tumor neurilenoma do acústico em relação ao nervo facial. Por esse motivo ocorre com frequência lesão do nervo facial durante a remoção cirúrgica desse tumor.

O neurinoma do nervo acústico (nervo da audição) é um tumor benigno que aparece nesse nervo nas proximidades do nervo facial. Durante a cirurgia para a retirada do tumor, pode ocorrer lesões em graus variáveis do nervo facial causando uma paralisia na face. A recuperação vai depender da extensão da lesão no nervo. Se a lesão for leve, geralmente há boa recuperação, entretanto, se a lesão for grave, a paralisia pode persistir. Na maioria dos casos há recuperação no período de 6 a 12 meses.

A nossa conduta nesses casos é expectante, a não ser que o cirurgião que operou o tumor relate lesão estrutural do nervo (secção do nervo). Nesses casos recomendamos a cirurgia precoce de transferência nervosa dupla. Suturamos o nervo motor do masseter no ramo buco-zigomático para reanimar a porção média da face e suturamos parte do nervo hipoglosso (cerca de 1/3 dele) no ramo mandibular para a reanimação da parte inferior da face.

Nos casos em que o neurocirurgião ou otorrinolaringologista, que fizeram a cirurgia, acreditam que haja um bom prognóstico de recuperação (casos em que a paralisia resultou apenas de manipulação do nervo) observamos o paciente pelo período de 6 a 12 meses. Se nesse período não houver recuperação progressiva, recomendamos a cirurgia para evitar atrofia permanente dos músculos da face.

Nos casos mais crônicos com uma evolução superior a 1 ano e meio a 2 anos, recomendamos a cirurgia de transplante muscular da coxa para a face em dois tempos. Num primeiro procedimento colocamos o enxerto cross-facial e num segundo tempo (cerca de 1 ano após a primeira cirurgia) transplantamos o músculo para a face. Suturamos o nervo do músculo no nervo do masseter e no enxerto cross-facial.

RESSECÇÃO DE TUMORES DE CABEÇA E PESCOÇO

O nervo facial se origina dentro do crânio e logo ao sair penetra na glândula parótida (glândula que produz a saliva) e ao sair dela se distribui aos músculos da face. Por causa dessa proximidade, cirurgias de retirada de tumor da parótida frequentemente causam lesão do nervo facial.

O nervo facial possui um trajeto complicado. Ele se origina no sistema nervoso, entra no osso do crânio chamado temporal e em seguida entra na face pela parte mais lateral. Nesse ponto ele entra na glândula salivar parótida e depois sai dela e se distribui aos muitos músculos da face.

Devido a esse trajeto tortuoso e complicado, o nervo pode ser lesado durante procedimentos cirúrgicos realizados na face. Como exemplos temos a cirurgia plástica de face (face-lift) e ressecções de tumores.

Durante a ressecção de um tumor maligno na região o cirurgião procura preservar o nervo facial e seus ramos sempre que possível. Entretanto em alguns casos o nervo ou partes deles precisam ser sacrificados para se obter margem curativa na ressecção do tumor.

Nos casos em que a excisão do nervo facial é necessária, recomendamos a reconstrução imediata com enxertos. Caso seja antecipada radioterapia, fazemos transferências nervosas, já que os enxertos não dão bons resultados em áreas irradiadas.

Se não houver a possibilidade de fazer a reconstrução de imediato, ela pode ser feita numa outra cirurgia, porém nesses casos será mais difícil encontrar os cotos dos nervos para reconstruí-los.